O grito estava preso quietinho lá dentro do peito. Eu podia sentir-lhe o pulso fraco. Volta e meia, sentia também a gola da camisa a roçar a pele eriçada, encharcada pelas gotículas de suor que descaiam pelas fendas dos poros semiabertos. Não raro, tocava com os dedos rudes a tecitura macia que me envolvia e quase me peguei na tentativa de enforcar a própria vida.
O grito está sufocado porque entrou pela janela errada.Ali não era mais a casa do poeta.
Armei-lhe um puçá bem grandinho e pus sua comida preferida: a esperança. Hoje o grito está engaiolado no peito de uma vida sem poesia. Quando as lembranças transbordam sua paixão, ele solta um piá de dor que ecoa através do vazio em que a vida transformou aquele velho chão de ruínas.
O grito perdeu-se na vida porque seu poeta morreu. Seus versos sem rimas babaram da boca aberta do artista, cuja alma partiu. Um silêncio cru nasceu às margens da folha branca: pousaram nela os olhos secos do corpo sem alma, o grito mudo do poeta invadido pela metamorfose, e a pena seca que tremia pela esperança que alguma boa alma do além psicografasse alguma dor entalada no peito sem batidas.
Mas tudo não passou de uma noite sem lua e estrelas. Meu peito levantou-se como um monstro anoitecido e passou a carregar seu poeta defunto para onde a vida o levasse... E continuou a escrever poemas sem poesias que feriam as almas sensíveis. Ele era o Matador. E passou o resto de seus dias a matar o verbo desajeitado que cosia.
Por: Sandra Datti
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