Um espaço dedicado a literatura e ao estímulo de novos escritores, ajudando a aprimorar e a divulgar o trabalho de toda aquela pessoa que gosta de escrever. "A continuidade depende de como reiniciamos"...

domingo, 3 de outubro de 2010

A Reunião

Nos tempos recentes, existem muitas situações surpreendentes que pouco mais de uma década atrás eram tão naturais quanto respirar. Atualmente esquecer o celular em casa é equivalente a esquecer a cabeça. Trabalhos didáticos, do primário ao doutorado se resumem em pesquisas na internet. Receber uma carta é tão estranho quanto o sistema eleitoral voltar para as cédulas! Mas eu recebi uma carta! E não era propaganda de político, nem do SERASA e muito menos o boleto do cartão de crédito. Era uma carta mesmo, a moda antiga! Meu nome estava completo. E tinha até o remetente “Mario Dinarti”, com endereço completo e direito a complemento. Tentei lembrar se conhecia algum Mário Dinarti, mas por mais que puxasse na memória, não conseguia recordar do indivíduo.

Ao abrir a carta, a surpresa!

“Caro Sr. Daniel,

Estou lhe convidando para participar de um encontro político que irá envolver indivíduos de diferentes tendências ideológicas.

Sua presença é indispensável.

A reunião acontecerá...”

Estranho. Mas resolvi participar. Que mal faria? E o local de encontro era o auditório da universidade federal. Não seria golpe. Chegando ao ponto marcado, dei-me conta do que estava a acontecer! Com certeza seria o início da Terceira Guerra Mundial! Uma figura com correntes penduradas em suas vestes fumava um cigarro no portal de entrada do auditório; Um barbudo com camisa vermelha distribuía panfletos para quem passava pelo local; O celular não parava de tocar sendo atendido constantemente pelo sujeito de terno e maleta; Não deixei de notar um homem com as unhas sujas de terra, um rapaz com feições delicadas, e mais dois personagens com características comuns.

- Senhor Daniel! Que bom que veio! Vamos entrar, a reunião irá começar...

Mesmo não entendendo o motivo de estar ali, em pouco tempo começou uma confusão onde eu era apenas um telespectador:

- “Eu sou comunista porque acredito em um Estado único!” “Eu sou socialista porque luto pela reforma agrária!” “Sou capitalista porque ninguém vive sem dinheiro!” “A reforma é o meio termo, por isto apoio!” “O anarquismo visa um Estado cooperativista, sem poder centralizado!” “Sou punk porque quero que o Estado se exploda!” “Sou apolítico porque...”

“Por que mesmo?! Tantos títulos! Tantos rótulos! No fim, poucos entendem o que é política...”, fiquei a pensar. O pau comendo no centro e eu tentando entender o porquê daquele evento. O tal do Mário Dinarti vez ou outra intervinha na tribuna, mas passava a maior parte do tempo sorrindo. Até que o homem de paletó se levantou e pegou o microfone, fazendo todos calarem:

- Já imaginaram um bairro com uma rua que o transpassa sentido leste-oeste, e a parcela da população que mora no leste requerer que a preferencial fosse sua, e vice-versa? Obviamente um conflito seria criado. Na lei da “Idade Média” uma guerra resolveria a questão! Mas hoje uma Associação de Moradores decidiria este impasse sem conflito armado e derramamento de sangue. Podemos afirmar que a política é uma ferramenta para a evolução humana.

- Evolução humana? Você está de brincadeira! – o rapaz com cabelo moicano e jaqueta coberta de correntes havia se levantado furiosamente – Reacionário! Vem com esse papinho de pequeno burguês, mas está apenas pensando no poder!

- Associação de Moradores é apenas um antro de pelegos capitalistas! – o barbudo tinha um tom irônico enquanto cochichava no meu ouvido. Foi então que o rapaz de feições delicadas com um círculo contendo a letra “A” tatuado em seu braço levantou-se e do auditório falou calmamente:

- Entretanto, a política, como uma ferramenta, pode ser usada para a destruição humana. As mazelas que acercam o mundo são tantas, que citá-las seria clichê! O objetivo não é bradar “palavras de ordem”, mas sim entender como uma ciência genuinamente humana pode servir contra os propósitos humanos! O mundo não foi, não é, e nunca será dos espertos! A esperteza, não é política. Mas uma coisa é fato, não existem seres “apolíticos”. Não dentre os que pisam o pó do chão.

Realmente o rapaz tinha certa razão. Vivenciamos a política nas ações simples da vida. Comprar os alimentos em uma feira, por exemplo. O consumidor irá procurar o que é o melhor para ele, de acordo com suas necessidades e alcance. O vendedor, por sua vez, tentará provar que seu produto se encaixa nas pretensões do consumidor. “Mas isto não é comércio?!” Claro! Mas as relações interpessoais é política!

- Caro amigo Daniel. Não gostaria de se pronunciar? – convidou-me Dinarti demonstrando a tribuna.

- Até agora não entendi porque você me convidou para essa reunião... – com o que eu disse todos se calaram. Olhavam-me como se fosse um estranho no ninho.

- Oras! Todos aqui afirmam ser algo! Tem comunista; anarquista; capitalista; até aquele senhor ali, o Marcelo, afirma ser apolítico!

- Mas eu não levanto nenhuma bandeira... Não entendo ainda...

- Justamente por isso! Gostaríamos de ouvir o ponto de vista de alguém que está inserido no sistema e entende bem como ele funciona... – Dinarti sorria enquanto falava.

- Mas como?.. – Naquela altura já não importava mais saber detalhes de todo aquele momento surreal que estava vivenciando. Levantei-me, sendo fuzilado pelo olhar de todos os presentes. Subi na tribuna, analisei todos, e de forma vacilante, falei:

- Existem aqueles que exageram quanto à rotulação da política. Por exemplo, os comunistas “marxistas”, “leninistas” e “stalinistas”. É tanto “ista” que dá até pra confundir. Mas Marx estava correto quando formulou a teoria da DIALÉTICA... Ou teria sido Hegel? Ou até mesmo Platão... A política tem como base a dialética. Sempre teve, e sempre terá. A dialética nos permite compreender a evolução da postura humana na prática de relacionamentos. O que pode ser verdade hoje, amanhã é dúvida, e depois de amanhã é a falha que sustentará a verdade vigente que outrora era a própria falha da verdade dialética. Eu tenho a minha posição política formada. Sou coerente! Estou inserido no sistema, seja ele qual for, e atuo nele como cidadão e profissional. Não me deixo atrelar aos “istas”, porém procuro viver com justiça! E a “política partidária” não é POLÍTICA, é um EMPREENDIMENTO.

Por: Ricardo Dantas

Um comentário: